terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

#6 - A amiga da esposa

Apesar da mulher ter aberto mão da maioria de suas amigas, uma ainda frequentava sua casa. Uma ainda lhe ajudava a escolher vestidos, ouvia suas confidências, lia seus rascunhos e invejava seu marido. Já no fim do casamento, a amiga posicionou-se claramente quanto a isso. Deixou cartas sobre a cama do casal endereçadas a ele; tentou marcar encontros regados a vinho e música durante as madrugadas; com a desculpa de consolar a esposa, dormia na casa dos dois e incessantemente atormentava o escritor, que nunca cedeu.

Numa ocasião, a moça despiu-se e deitou no lado da cama que cabia à esposa. Foi a última vez que pisou o chão daquela casa. Nosso protagonista, irritado, gritou pela mulher, que perdeu junto com o marido, a única pessoa que achava poder considerar.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

#5 - A mulher

Todos os dias disposta a tê-lo sorrindo, ela pautava sua vida a partir das escolhas dele. Escritora talentosa, deixou a carreira literária de lado ofuscada pelo sucesso do marido. Embora não expusesse isso, carregava frustrações latentes por ter abdicado das ambições profissionais. Acompanhando o escritor por todas as suas viagens, a mulher conhecia mais a vida do escritor que ele próprio, decorava os nomes dos amigos e dos não-amigos, das esposas dos amigos, das amantes, dos fãs importantes. Ela era esposa, mãe, secretária, acompanhante e conselheira. Ela era ele, até o dia em que ele não quis mais assim.

Sua vida desmoronou naquele dia, havia um hiato de mais de dez anos. Ela se deu conta de que conhecia todas as pessoas que conviviam com seu marido, mas que em todo esse tempo, não havia convivido com ninguém, não criara laços, nós ou que fosse. Tinha parado de escrever, de ir ao cinema, de sonhar, de ser chamada pelo nome.

Teve de renascer aquele dia, num parto solitário e dolorido, que durou por muito tempo, porque ele nunca cortou definitivamente seu novo cordão umbilical.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

#4

Nosso protagonista, nesse momento da vida, começa a conviver com dúvidas antes inimagináveis. Ele estaria no lugar certo? Era mais feliz agora que antes? Teria valido à pena a mudança de rumo? Ele continuava a ver beleza na menina do interior, nesse ponto nada havia mudado. Só que de uma hora para outra, as suas certezas tornaram-se escassas, seus desejos efêmeros, e ele iniciou toda história que eu pretendo contar aqui.

Sem saber, ele passou a conhecer e conquistar mulheres, seguidamente, compulsivamente, e não conseguia abandoná-las. A primeira a passar por isso foi a esposa, a segunda, a moça linda do interior. Depois dela vieram a terceira, a quarta, a quinta...

No próximo texto, começarei a dissertar sobre cada uma das mulheres, e sobre o que o homem viveu com elas. Por enquanto é só.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

#3

Ele, que nunca havia traído, teve certeza de que era hora. Depois recuou. A moça de interior sabia que ele era comprometido e ele queria o respeito dela. Passaram-se alguns dias, foi para casa, e divorciou-se. O escritor, dono da razão do amor, responsável pelas palavras que tinham poder, fiel à sua doutrina de apenas conquistar mulheres, apaixonou-se. O homem desconstruiu sua vida, transgrediu as regras, mergulhou na vontade.

Por meses ele conseguiu viver o sonho, trouxe a moça à capital, levou-a ao teatro, ensinou-lhe cinema, música, até literatura. Discutiu os próprios textos, recitou poemas, e ela decorava cada palavra que saía de sua boca. Ela amava cada vírgula que ele proferia, morava em suas palavras e chorava com os diálogos que construíam.

O homem, que não era besta, enxergava seu poder. Na verdade, esse cara sabia exatamente o que as mulheres queriam ouvir. Cada uma delas.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

#2

Uma mulher cruzou seu caminho, aparentemente sem nenhuma relevância. Ele, que nutria uma vontade exagerada de conquistar todas as moças, não se opôs à ideia de tê-la.

Começou pelo ego, como sempre. Só que aquele rosto doce realmente havia lhe encantado. Ele não sabia dizer ao certo por que, mas os cabelos longos, a palavra baixa, a transparência de sentidos e de sentimentos, tudo isso misturado, tinha mexido com sua cabeça. E tinha o sotaque também, interiorano, que ele não conhecia. Eles conversavam muito, e os olhos da menina brilhavam com as dissertações do escritor sobre o amor. Ela delirava ao ouvi-lo contar suas histórias, imaginando os lugares que ele tinha conhecido, as línguas que ele falava. E ele, delirava também, ao enxergar na moça aquilo que não mais via em outras: uma paisagem a ser pintada.

Foi nesse dia que o homem resolveu retomar a vida. Viver de novo. Dar novas cores ao quadro, que parecia finalizado, da sua vida.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

#1

Ele cresceu como qualquer homem. Errando, errando... e foi construindo a vida baseada nos erros que não voltaria a cometer. Até aí nada muito diferente dos amigos que o cercavam. Ele namorou mulheres bonitas, que se vestiam bem, que tinham bom gosto. Visitou lugares exóticos, morou na Europa, voltou, foi novamente a passeio, na companhia da mulher que elegera para ser a oficial. O homem - que não tem nome - sempre foi feliz no relacionamento. Um tipo de felicidade que ele não expandia à sua carreira profissional. Incomodava-se com tudo que era ligado a trabalho, prazos, compromisso, salário... Decidiu, portanto, viver de literatura e do dinheiro que porventura ganhasse com suas letras.

O escritor sabia que seus melhores textos eram sobre o amor e os pequenos traumas pelos quais passava, vez ou outra. Ele fazia sucesso entre as mulheres, e orgulhava-se disso em cada gesto que escolhia fazer, em cada palavra que decidia escrever, em cada roupa que resolvia vestir. Entretanto, isso sempre foi apenas uma forma de se sentir melhor e de escrever melhor. Até que um dia, foi posto de frente com um problema pelo qual nunca passara. Desde esse dia, sua vida estagnou.