sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Resposta #1

Rio de Janeiro, 6 de janeiro de 2012.

Isa,

Fico feliz ao saber que Boston é bacana, e que você está tendo novas experiências com cores do mundo. Aqui pelo Rio corre tudo como você já sabe: um calor de doer nos dentes, a cidade cheia de gente que fala línguas estranhas e aquele clima de alegria que preenche as ruas da zona sul nesses primeiros meses.

É a renovação da esperança carioca, sempre marcada pelo reveillon caótico do bairro onde moramos. Confesso que até eu consigo sorrir ao andar nas calçadas. Acho que felicidade é catarse. E, nesse ponto, o Rio vai muito bem.

Você já sabe das mudanças que aconteceram na minha rotina. Os anos correm para mim como eu esperava. Nem mais, nem menos.

Sinto sua falta aqui do lado.

Nesses dias, talvez influenciado por toda a alegria da nossa vila, tenho visto mais a beleza das pessoas. Estou voltando a querer ver além da evidência. Meus amigos estão me ajudando, uns mais que os outros, você sabe como isso me atormenta.

Enfim, tudo vai bem do lado de cá. Minha família mandou lembranças, ontem, no aniversário da minha vó.

Ainda não consertei a pia, mas a descarga voltou a funcionar milagrosamente. Até você voltar, prometo colocar tudo em ordem. Pensei num Blindex para o banheiro, mas vi que era a síndrome do recém-aumento, não conseguiria colocá-lo por menos de mil reais - quinhentos dólares.

Combinei duas viagens com o Pedro, que tem-se mostrado ainda mais bonito que nunca - acho que a vida dele também está andando -, mas isso é assunto para a próxima carta. Espero novidades ou notícias - em inglês se usa news para ambos os casos? - suas.

Com amor e saudades,

P.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

tv

eu me recolho na televisão. deito. esperando que as imagens façam algum sentido. que me transportem. as imagens sem sentido da televisão. e elas correm me percorrem.

eu queria que as imagens da televisão me fizessem dormir. mas preciso da sua imagem. pura, sorrindo. bobagem.

eu me cobri. mandei estender lençol e tudo. tenho que acordar cedo amanhã. a colcha tá limpa, o telefone está programado pra tocar, mas a tv grita. desligo.

amanhã é amanhã, e o que resta é amor. eu amo. puro assim. eu amo porque é o que resta. ou porque é o que resto do que vale. sou assim, ingênuo ao achar que por amar o dia vai nascer.

recolho. é vontade.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

avenida copacabana, apto 709

1 homem se jogou do prédio da minha namorada. eu saí do prédio da minha mãe para ir para o meu e vi 1 homem reduzido a 1 saco preto no chão. os carros desviavam, pela outra pista da nossa senhora de copacabana. o homem morto era protegido por cones e 1 plástico preto. ninguém além 4 guardas. foi por volta das 22.

eu fiquei pensando, coisa que tenho feito muito pouco nos últimos tempos. o maluco se suicidou. ora, abriu mão da própria vida. é um ato mais de coragem que de covardia. mas ele tava sozinho. ninguém apareceu. o porteiro saiu, disse que ele morava do 709. era tudo que se sabia dele. o homem que se jogou do prédio da minha namorada morava no 709.

eu subi, acendi um cigarro. troquei 1/2 dúzia de palavras no facebook com 2 amigos. conversei com a minha namorada que está em barcelona. avisei que 1 maluco havia se jogado do prédio dela. que ele morava no 709. mas ela não ligou o número à pessoa. ninguém ligou, além do porteiro.

são 2 da manhã, os cones e o corpo já foram embora. a avenida nossa senhora de copacabana já tem trânsito normal, deve ter avisado a cet-rio, por volta das 11. e eu ainda estou aqui refletindo se ele se matou depois que descobriu que era um número.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

namorada

ela é a minha vontade. ali, crua. quando bate à porta do meu apartamento com a cara apressada. falante, debochada, ela entra sem usar sua chave. pede por favor para eu pedir que fique. eu peço, faz o favor. e até quando ela vai embora, permanece.

ela veste a personagem. implica com o jogo, o álcool e o cigarro. conhece os amigos, diverte as conversas. ela gosta de artes, batatas fritas e de carinho nos braços.

acorda ao lado, mais cedo, quer ir à praia e vai. depois telefona e volta. saímos e dormimos. amanhã se der sol ela volta à praia. eu torço pela chuva, quero ver filme.

ela é bonita e acredita em outras vidas. para que outra? estou satisfeito com a minha. se eu rabiscasse isso há um ano, pareceria reza. um pedido aos céus. era tudo que eu queria. às vezes não dou conta de quanto estou feliz.

e eu escolhi viver a única vida que eu tenho para abrir a porta. todos os dias. para ela.

sábado, 25 de dezembro de 2010

o natal

e eu tô aqui, é natal. eu ouço músicas aleatórias tentando ligar para todos. eu detesto deus. não acredito nele. e natal é nada. natal é ligar para vocês. pra desejar o bem. natal é data de desejar o impossível. máquina do tempo.

eu ponho as moedinhas no computador para ouvir as nossas canções, uma atrás da outra. para lembrar. natal é tempo de lembrar. eu choro aqui. eu choro lágrimas de verdade. e vejo uma vida que tem passado, dura, por todos nós.

os dias de curso de francês, ansioso pelo churrasco. ver todos entrando pela porta. o som baixo. eu lembro disso. de todos. e tenho falta. e tem um buraco aqui, quase físico, que me agride. estou exilado.

e eu olho pra mim, e vejo que a vida é boa. mas ela sempre foi.

domingo, 7 de novembro de 2010

dia de chuva

hoje eu acordei sentindo sono. deve ter sido a falta do que fazer. hoje foi aquele dia sem pressa, quando o mais certo é deixar para depois. demorei a almoçar e a lavar a louça. fiquei estático na cama por horas com a tv muda. arranquei o fio do telefone que toca alto demais e dormi novamente. deixei minha namorada falando sozinha e ao despertar novamente ela ainda esperava a minha resposta sobre uma música qualquer.

eu falo sobre meu dia vazio. sobre a dificuldade que tenho de ficar só mesmo depois desses anos. falo sobre a vontade de comer um bolo de chocolate para curar a ressaca, ou de ver o Fluminense jogar num bar com os amigos. eu falo de todas as bobagens que não são bobagens em boa companhia. eu falo que enfrentar um dia inteiro sem olhar na cara de ninguém é chato e dá sono. e eu dormi de novo.

e acordei de novo também. dessa vez sem sono. e fui tentando passar o tempo para dormir mais uma vez.

amanhã tem jogo, segunda a Isabela volta, tem trabalho, poker à noite. tudo volta ao caminho. eu eu sigo como quem luta contra esse vazio, que se não virasse texto, não viraria nada.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

em dia

os dias começam sem fim previsto. cada palavra sobressalta e vai à boca antes de passar pelo cérebro. é o erro crônico, diário e fatal. é o que tira o dia da linha, atravessando o sono e o dia seguinte, e depois mais outro. quando as luzes do meu mini-apartamento se apagam, eu relembro os passos que me levaram ao pensamento pré-sono. e vou tentando refazê-los de modo que pare de pensar e durma.

é como se eu travestisse meu dia para dormir em paz. nessa hora, eu imagino o seguinte e tudo que terei que fazer e falar para que eu não volte a passar por isso. mas é inútil, porque querendo ou não, não consigo ser aquilo que lhe agrada.

pouco me importam as eleições presidenciais que se aproximam, ou a formatura que virá em breve. antes de tudo, me alieno de mim mesmo, o tempo todo.

tudo em mim desinteressa e agride. e eu só queria deitar e lembrar do dia, sem pensar no amanhã.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

faixa nove

eis que o que escuto me lembra trilha sonora. e é simples como isso: sons alegres me sorriem, e os tristes me choram.

como aquele disco que gravei para marcar a vida de todos nós. e que arranhou na cidade bíblica da torre.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

novas palavras

traçar a vida para daqui a anos, meses ou dias. faço isso só pelo prazer de me surpreender, pelo sabor do inimaginado, para colocar no porta-retratos a fotografia com o maior número de novidades possível. estive pensando nesses últimos dias sobre os planos e os anti-planos, sobre a dificuldade que tenho em sentir-me confortável no lugar onde estou.

fato é que minha vida mudou - para melhor. não sei se de cinco meses para cá, de um ano e meio ou de três. eu sei que passei por transformações significativas que me distanciaram de alguns, no mesmo ritmo que me aproximaram de outros. tenho descoberto gente para juntar à minha história, quase carente de personagens.

perdi interesse em bobagens que me mantinham de pé. troquei de músicas preferidas, de bares e comidas, de cigarro. mudei de casa, de computador, de emprego. troquei de assunto, de armário, de namorada. eu fui sofrendo a metamorfose gradual de alguém que cresce para ser maior.

e nada disso foi pautado, programado ou desenhado. acontece. e ainda bem que move. ainda bem que nos movemos para construir, diariamente, o próximo dia. e que, quando o próximo dia chega, estamos mais aptos para construir o próximo.

precisava desta conversa, deste fim de semana, destes novos amigos. das últimas músicas, livros e paixões. porque só assim eu sigo em paz com que fiz e deixei de fazer.

estou pleno e voltarei a escrever. precisava também deste texto para escrever o próximo.



domingo, 18 de julho de 2010

conversa de cama

- eu te traí ontem à noite.

- eu já sabia.

- como?

- eu senti. eu sinto essas coisas.

- não vai se descontrolar, gritar, xingar?

- acho que você superestima demais o meu amor por você.

- deve ser, e você tem essa mania de matar nosso namoro antes dele morrer.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Ciclo

s.m. Série de fenômenos que se sucedem numa ordem determinada

parto, crescimento, enterro. apresentação, clímax, fim.

é segredo. secreto. mas a chave está em esticá-lo. como um elástico mesmo. esticá-lo até o romper. para que ele arrebente no meio. no ponto mais tenso de intensidade.

para que o personagem morra de overdose no meio da vida. que o amor acabe na cama. para que a ligação caia sem despedidas. que se acorde no meio da noite sem saber com a história terminaria. que o olhar seja interrompido pelo passar do ônibus.

bem no início do clímax. no ponto máximo do crescimento.

e que não haja enterro nem fim.

que o ciclo não seja ciclo por definição. que morra antes de dar a volta.

terça-feira, 22 de junho de 2010

síndrome da vida encaminhada

tenho sido confrontado com todas as minhas crenças. nunca acreditei em deus, nem em matemática. sempre acreditei nas vontades que sinto diariamente ao acordar. naqueles desejos súbitos de mudar de vida, de arrancar de mim personagens e promover loucuras. minha vida foi traçada para colher à frente.

hoje, não sei se troco de sonho porque troco de vida, ou se as mudanças na vida alteram minhas aspirações.

sei que está tudo no lugar. que eu previa menos. mas e agora que tudo está aqui? eu mudo a vida ou o sonho?

domingo, 23 de maio de 2010

definindo

é a ordem natural dos desejos. eles vêm, são saciados, e deixam de sê-los. desejar é como ter não tendo, como apropriar-se do destino para sorrir com ele. mas na vida só o que existe é passado, só passa a existir quando morre, e desejos seguem a mesma lógica. são como aquela obra do artista morto, que ganhou valor quando não poderia mais ser produzida.

eu prefiro continuar vivendo vivo. desejando para sentir-me a mim mesmo. produzindo diálogos, textos, contos, ódio, amor, dores, ânimos, sobras, gestos, sabores, texturas, cores. o sonho é sempre mais bonito quando se está dormindo, é bem sabido, mas acordar e vivê-lo diariamente torna-se completamente gratificante quando busco a "vida longo prazo bonita zona sul".

entender meus desejos não me amputa a liberdade de sonhar. mas sou como aquela criança que recebe o presente sonhado e, em duas semanas, esquece de sua existência.

toda ideia inexiste no mundo real. ideias são ideias porque são apenas. desejos são desejos pelo mesmo motivo. inquantificáveis como a saudade que neste minuto sinto da moça que está em Barra Mansa, que vai passar amanhã, quando ela voltar de novo.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

amor de carpete

todas as vezes a moça pensava ser a última. ela se esforçada para que não fosse, queria convencê-lo de que ele era mais feliz com ela. por vezes conseguia. na maioria delas não. ao mesmo tempo em que se subtraía e dava a cara aos tapas e ao gozo, ela se torturava. estava entregue e consciente disso.

com os joelhos arranhados pelo carpete manchado, ela chorava. não pela dor causada no ato sexual. mas pelo medo de que fosse a última vez. que dali pra frente seu joelho nunca mais visse o carpete tão próximo. ela tomava o ônibus de sempre, depois do banho, e, por horas, olhava a paisagem pensando se havia outra forma para viver.

a submissão tornou-se insuportável. ela pegou o mesmo ônibus e não voltou. ele também não ligou para saber. trocou o carpete que considerava velho, perdeu seu tempo de vista e seguiu.

dizem que os joelhos da moça ainda ardem às vezes, mas que ela nunca mais usou as roupas manchadas de sêmem. quanto a ele, continua no mesmo lugar, à espera de que um dia ela bata na porta novamente.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

para não dizer que não escrevi feliz

o computador insiste para que eu escreva algo bonito, que demonstre os traços da minha nova vida. mas eu me mantenho alheio. custo a acreditar que estou onde estou. que sou quem há pouco gostaria de ser. a tela brilha para mim, e eu, sem tempo, prefiro viver cada segundo dessa plenitude.

minhas cores têm sido vivas e meus sorrisos sinceros. o blog cedeu sua organização à minha vida, e as palavras escritas a imagens guardadas na retina. nada me atinge. nada me tira do pedestal de ser feliz. eu sou porque mereço. porque te mereço e ainda mais.

é que com o computador exigindo que eu cuspa palavras fica difícil, mas é isso mesmo: eu precisava do equilíbrio que você me trouxe.

e foda-se o computador.