quarta-feira, 30 de setembro de 2009

"quantas vidas viveremos nós? quantas vezes morremos? dizem que perdemos 21 gramas no exato momento da morte. todos nós. e que caberá em 21 gramas? quanto é perdido? quando perdemos os 21 gramas, quanto se perde com eles? quanto se ganha? vinte e um gramas... o peso de cinco moedinhas. o peso de uma barra de chocolate. quanto pesa 21 gramas? quanto pesa o peso de 21 gramas?"

você ligou

quis saber sobre as drogas, de onde vim,
perguntou se havia sombras da partida,
viciada nelas você desligou viciada em mim,
enquanto eu sonhava e me viciava na vida.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

ele não tem orgulho. desistiu dessa babaquice que lhe foi imposta por todo o resto. ele se ajoelha. chora. ele aceita as mais humilhantes situações. e sorri. ele sorri por não ter orgulho. ele constrói castelos, compra casas, carros, vinhos, a vida, ele faz poemas, músicas, cinema, ele vive por todas elas.

decidiu que não tinha mais orgulho. que viveria sem jogar, entregando-se a cada dia a um novo amor, inteiro. ele faria jantares maravilhosos, em espaços pouco comuns, à luz de velas. ele faria tudo que estava ao seu alcance, seria pisado, daria a cara a tapa! daria sim. ele não tinha vergonha mais por si. chorava na frente delas, abaixava a cabeça, dizia que amava com dez minutos de conversa. espantava quem se aproximava porque resolvera ser assim. completo.

- caralho, cara, você não tem orgulho não?

- meu amor, vivi mais de vinte anos e não tenho do que me orgulhar. me deixa, orgulho é o único sentimento que eu não mereço ter. nos outros eu ainda acredito, mas por enquanto, orgulho não.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

sono leve

ela estava toda arrumada. e eu pouco humilde achei que era para mim. um dia haveria de ser para mim, e era aquele. era aquilo que eu sonhava. aquele vestido. eu vestido para aquele vestido. de barba feita e entregue ao sonho. até a luz era fria naquela noite, e eu que já esquecera como ser quente suava sem saber se as frases e gestos eram para mim.

as frases e os gestos eu não sei, mas o vestido era. era o vestido. vestida de sonho. exato. igual ao sonho. e ela falava por entre as palavras, pelo menos para mim. ela gritava por entre as frases sem sentido. eu não acreditava. olhava para as minhas mãos de cigarro filtro amarelo e pensava. era um sonho. ela ria para mim. ou de mim. mas ria, ria, e eu parado, olhando para o vestido. sonhando.

eu amava. por instantes eu amava. era poesia concreta à minha frente, era a dúvida do quanto duraria. eu engolia o momento sem saliva. engolia aquele momento seco. era frio e seco e eu não queria outra coisa. não queria ninguém além daquela que estava no vestido. o vestido do sonho. queria só vestir-me de sonho e sonhar, viver o sonho ali, entre as palavras e as mãos.

eu vivi. eu vivi meu sonho. eu vivi com o vestido o meu sonho. eu casei. casei e cansei. do sonho que desbotou.

sábado, 19 de setembro de 2009

voltando #2

ela vive mais rápido que o amigo de olhos azuis. não entendo como atingiu esse nível, mas eu sei que atingiu. e, enquanto isso, eu, devagar, quase parado, quero o intervalo, a vírgula, o ponto. final. no alto da embriaguez factual, ela mente coisas rápidas, frases juntas, mente para si mesma tão rápido que seu cérebro não consegue detectar a mentira. e eu, sempre lento. sentindo cada mentira corroer meus dias e minhas noites, bem devagar, numa lentidão que beira a tortura.

será que ela não pensa em morrer? ou pensa demais? o tempo é efêmero para ela por que? e por que o meu é tão depois?

lentamente me encaminho para a morte, enquanto ela corre assustadoramente para a vida. sozinha.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

imprimindo

nunca escrevi às sete da manhã. não depois de dormir. a vida muda em mim. como os desejos que só eram literais depois das dez.

domingo, 13 de setembro de 2009

eu vi uma coisa estranha. nem sei se vi, ouvi, toquei. sei que senti, senti uma coisa estranha.

era o contrário de um deja vu. eu vivia as coisas depois que elas deviam - mereciam - acontecer. e eu vivia mesmo. eu me belisquei. eu fechei e abri os olhos. eu vivia. depois. agora. depois. agora depois. e tudo acontecia tarde demais. os diálogos eram magníficos pois tinham fim antes do começo, nunca havia vivido algo parecido. já estava em casa e continuava voltando. como esconder o futuro de alguém que já o vive?

frase de efeito. volta à realidade. ao tempo dos homens.

pânico. eu vivo agora o presente no presente. logo eu que adorava aquela dança sobre a linha. eu que tinha certeza do que ia acontecer sempre, vejo-me agora dando um passo antes do próximo, e do outro, e caminho. só e mal acompanhado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

voltando #1

tem um homem de longos cabelos brancos na minha porta. homem de cabelos brancos e a porta. e a cadeira. e o tempo. longo. o homem de tempo e cabelos longos. parado, todo dia, na minha porta. e bebe. e bebe. e cumprimenta. e senta. cadeira. amarela.

tem um amigo. um amigo próximo de cabelos amarelos e olhos azuis. olhos azuis como os do homem de cabelos longos brancos. mas amarelo parece mais amigo. amigo de tempo pulsante. de tempo passando.

amarelo e branco. ajoelhados. na porta. na minha.

ajoelhados. amarelo e branco. e o tempo. e eu, de pé, vendo, tempo passado. tempo passando. tempo que passa devagar, a . de ainda, não, transformar, amarelo, em, branco. emesmoqueotempopasserápido, o azul é e será azul.

sobre aquela festa

subsolo. ela grita e xinga como se as palavras fossem só dela mesmo depois de saírem de sua boca. luz perfeita na escada, revide. os outros passam, reparam, pedem para que ele volte e continue a sorrir. ele sabe que vai voltar, mas vive a discussão até o último ponto. a noite era linda demais, os corações naquela hora já haviam estourado, e ele sentia que a cada frase estourava um deles.

subiu as escadas com a certeza de que falara tudo que estava engasgado, voltou para viver as músicas e o amor. naquele dia sabia que a festa iria vivê-lo, que ele não tinha nenhuma responsabilidade sobre seus passos e beijos. do lado de fora, a vida desmoronava, e as incertezas quanto ao futuro maximizavam-se. como se quisessem o futuro antes do presente, o dia seguinte doeu e dói até hoje.

naquela escada perfeitamente iluminada, os dois descobriram, de maneiras distintas, que o mundo é pequeno demais quando vive-se pelo depois.


abatimento no andar, no copo e na luz.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

fantasiando

pareciam nunca ter-se visto. mas era mentira, sempre notaram-se, e as vontades de um chocavam-se com as metáforas complexas do outro. um era amargo demais e por isso não suportava o açucar alheio. no começo eles eram assim, duas pessoas comuns que buscavam, como quaisquer pessoas comuns, alguém comum. mas havia ali uma fuga circular, não podiam admitir os desejos que passaram a permear suas noites - e desejos rimam com álcool e só são literais depois das dez.

- acho que toda essa sua segurança é uma fantasia mal acabada.
- somos sempre mal acabados, viver é acabar-se aos poucos.

e assim eles trocavam farpas e começavam a trocar sorrisos no leblon. e palavras. e beijos. as metáforam misturaram-se com as verdades, e com os desejos e com a ironia . e com os dias.

foi que se foram esses dias, os meses e os anos. foram. e teriam sido com qualquer um.

foram porque queriam, queriam porque não eram. nunca haviam buscado ser nada , só queriam quando estavam. e morreram, porque passaram a ser, juntos, uma coisa qualquer muito bem acabada.

lost in translation

e foi assim. dias e dias no japão para conseguir o que queria pouco antes dos créditos.

- mas eu não entendi o filme.
- não tem o que entender no filme. ele é isso. cru assim. nada surpreendente, como a vida.
- eu achei surpreendente já que eles enrolaram tanto.
- mas não foi.
- me explica por que não foi, então?
- é que se não fosse nesse filme, aconteceria no próximo, a sofia não os deixaria sem destino.
- olhando por esse lado...
- e não foi por esse que você olhou?
- não.
- então olhou errado. agora, olha pra mim que a gente continua.