sábado, 25 de dezembro de 2010

o natal

e eu tô aqui, é natal. eu ouço músicas aleatórias tentando ligar para todos. eu detesto deus. não acredito nele. e natal é nada. natal é ligar para vocês. pra desejar o bem. natal é data de desejar o impossível. máquina do tempo.

eu ponho as moedinhas no computador para ouvir as nossas canções, uma atrás da outra. para lembrar. natal é tempo de lembrar. eu choro aqui. eu choro lágrimas de verdade. e vejo uma vida que tem passado, dura, por todos nós.

os dias de curso de francês, ansioso pelo churrasco. ver todos entrando pela porta. o som baixo. eu lembro disso. de todos. e tenho falta. e tem um buraco aqui, quase físico, que me agride. estou exilado.

e eu olho pra mim, e vejo que a vida é boa. mas ela sempre foi.

domingo, 7 de novembro de 2010

dia de chuva

hoje eu acordei sentindo sono. deve ter sido a falta do que fazer. hoje foi aquele dia sem pressa, quando o mais certo é deixar para depois. demorei a almoçar e a lavar a louça. fiquei estático na cama por horas com a tv muda. arranquei o fio do telefone que toca alto demais e dormi novamente. deixei minha namorada falando sozinha e ao despertar novamente ela ainda esperava a minha resposta sobre uma música qualquer.

eu falo sobre meu dia vazio. sobre a dificuldade que tenho de ficar só mesmo depois desses anos. falo sobre a vontade de comer um bolo de chocolate para curar a ressaca, ou de ver o Fluminense jogar num bar com os amigos. eu falo de todas as bobagens que não são bobagens em boa companhia. eu falo que enfrentar um dia inteiro sem olhar na cara de ninguém é chato e dá sono. e eu dormi de novo.

e acordei de novo também. dessa vez sem sono. e fui tentando passar o tempo para dormir mais uma vez.

amanhã tem jogo, segunda a Isabela volta, tem trabalho, poker à noite. tudo volta ao caminho. eu eu sigo como quem luta contra esse vazio, que se não virasse texto, não viraria nada.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

em dia

os dias começam sem fim previsto. cada palavra sobressalta e vai à boca antes de passar pelo cérebro. é o erro crônico, diário e fatal. é o que tira o dia da linha, atravessando o sono e o dia seguinte, e depois mais outro. quando as luzes do meu mini-apartamento se apagam, eu relembro os passos que me levaram ao pensamento pré-sono. e vou tentando refazê-los de modo que pare de pensar e durma.

é como se eu travestisse meu dia para dormir em paz. nessa hora, eu imagino o seguinte e tudo que terei que fazer e falar para que eu não volte a passar por isso. mas é inútil, porque querendo ou não, não consigo ser aquilo que lhe agrada.

pouco me importam as eleições presidenciais que se aproximam, ou a formatura que virá em breve. antes de tudo, me alieno de mim mesmo, o tempo todo.

tudo em mim desinteressa e agride. e eu só queria deitar e lembrar do dia, sem pensar no amanhã.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

faixa nove

eis que o que escuto me lembra trilha sonora. e é simples como isso: sons alegres me sorriem, e os tristes me choram.

como aquele disco que gravei para marcar a vida de todos nós. e que arranhou na cidade bíblica da torre.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

novas palavras

traçar a vida para daqui a anos, meses ou dias. faço isso só pelo prazer de me surpreender, pelo sabor do inimaginado, para colocar no porta-retratos a fotografia com o maior número de novidades possível. estive pensando nesses últimos dias sobre os planos e os anti-planos, sobre a dificuldade que tenho em sentir-me confortável no lugar onde estou.

fato é que minha vida mudou - para melhor. não sei se de cinco meses para cá, de um ano e meio ou de três. eu sei que passei por transformações significativas que me distanciaram de alguns, no mesmo ritmo que me aproximaram de outros. tenho descoberto gente para juntar à minha história, quase carente de personagens.

perdi interesse em bobagens que me mantinham de pé. troquei de músicas preferidas, de bares e comidas, de cigarro. mudei de casa, de computador, de emprego. troquei de assunto, de armário, de namorada. eu fui sofrendo a metamorfose gradual de alguém que cresce para ser maior.

e nada disso foi pautado, programado ou desenhado. acontece. e ainda bem que move. ainda bem que nos movemos para construir, diariamente, o próximo dia. e que, quando o próximo dia chega, estamos mais aptos para construir o próximo.

precisava desta conversa, deste fim de semana, destes novos amigos. das últimas músicas, livros e paixões. porque só assim eu sigo em paz com que fiz e deixei de fazer.

estou pleno e voltarei a escrever. precisava também deste texto para escrever o próximo.



domingo, 18 de julho de 2010

conversa de cama

- eu te traí ontem à noite.

- eu já sabia.

- como?

- eu senti. eu sinto essas coisas.

- não vai se descontrolar, gritar, xingar?

- acho que você superestima demais o meu amor por você.

- deve ser, e você tem essa mania de matar nosso namoro antes dele morrer.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Ciclo

s.m. Série de fenômenos que se sucedem numa ordem determinada

parto, crescimento, enterro. apresentação, clímax, fim.

é segredo. secreto. mas a chave está em esticá-lo. como um elástico mesmo. esticá-lo até o romper. para que ele arrebente no meio. no ponto mais tenso de intensidade.

para que o personagem morra de overdose no meio da vida. que o amor acabe na cama. para que a ligação caia sem despedidas. que se acorde no meio da noite sem saber com a história terminaria. que o olhar seja interrompido pelo passar do ônibus.

bem no início do clímax. no ponto máximo do crescimento.

e que não haja enterro nem fim.

que o ciclo não seja ciclo por definição. que morra antes de dar a volta.

terça-feira, 22 de junho de 2010

síndrome da vida encaminhada

tenho sido confrontado com todas as minhas crenças. nunca acreditei em deus, nem em matemática. sempre acreditei nas vontades que sinto diariamente ao acordar. naqueles desejos súbitos de mudar de vida, de arrancar de mim personagens e promover loucuras. minha vida foi traçada para colher à frente.

hoje, não sei se troco de sonho porque troco de vida, ou se as mudanças na vida alteram minhas aspirações.

sei que está tudo no lugar. que eu previa menos. mas e agora que tudo está aqui? eu mudo a vida ou o sonho?

domingo, 23 de maio de 2010

definindo

é a ordem natural dos desejos. eles vêm, são saciados, e deixam de sê-los. desejar é como ter não tendo, como apropriar-se do destino para sorrir com ele. mas na vida só o que existe é passado, só passa a existir quando morre, e desejos seguem a mesma lógica. são como aquela obra do artista morto, que ganhou valor quando não poderia mais ser produzida.

eu prefiro continuar vivendo vivo. desejando para sentir-me a mim mesmo. produzindo diálogos, textos, contos, ódio, amor, dores, ânimos, sobras, gestos, sabores, texturas, cores. o sonho é sempre mais bonito quando se está dormindo, é bem sabido, mas acordar e vivê-lo diariamente torna-se completamente gratificante quando busco a "vida longo prazo bonita zona sul".

entender meus desejos não me amputa a liberdade de sonhar. mas sou como aquela criança que recebe o presente sonhado e, em duas semanas, esquece de sua existência.

toda ideia inexiste no mundo real. ideias são ideias porque são apenas. desejos são desejos pelo mesmo motivo. inquantificáveis como a saudade que neste minuto sinto da moça que está em Barra Mansa, que vai passar amanhã, quando ela voltar de novo.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

amor de carpete

todas as vezes a moça pensava ser a última. ela se esforçada para que não fosse, queria convencê-lo de que ele era mais feliz com ela. por vezes conseguia. na maioria delas não. ao mesmo tempo em que se subtraía e dava a cara aos tapas e ao gozo, ela se torturava. estava entregue e consciente disso.

com os joelhos arranhados pelo carpete manchado, ela chorava. não pela dor causada no ato sexual. mas pelo medo de que fosse a última vez. que dali pra frente seu joelho nunca mais visse o carpete tão próximo. ela tomava o ônibus de sempre, depois do banho, e, por horas, olhava a paisagem pensando se havia outra forma para viver.

a submissão tornou-se insuportável. ela pegou o mesmo ônibus e não voltou. ele também não ligou para saber. trocou o carpete que considerava velho, perdeu seu tempo de vista e seguiu.

dizem que os joelhos da moça ainda ardem às vezes, mas que ela nunca mais usou as roupas manchadas de sêmem. quanto a ele, continua no mesmo lugar, à espera de que um dia ela bata na porta novamente.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

para não dizer que não escrevi feliz

o computador insiste para que eu escreva algo bonito, que demonstre os traços da minha nova vida. mas eu me mantenho alheio. custo a acreditar que estou onde estou. que sou quem há pouco gostaria de ser. a tela brilha para mim, e eu, sem tempo, prefiro viver cada segundo dessa plenitude.

minhas cores têm sido vivas e meus sorrisos sinceros. o blog cedeu sua organização à minha vida, e as palavras escritas a imagens guardadas na retina. nada me atinge. nada me tira do pedestal de ser feliz. eu sou porque mereço. porque te mereço e ainda mais.

é que com o computador exigindo que eu cuspa palavras fica difícil, mas é isso mesmo: eu precisava do equilíbrio que você me trouxe.

e foda-se o computador.

domingo, 11 de abril de 2010

amanhã

hoje eu só vou abrir a porta se for pra ver o seu sorriso. depois vou trancá-la. vou fugir do relógio que me diz onde estar. das obrigações quase religiosas que você cisma em lembrar. hoje eu quero apagar a luz e assistir televisão. programa de tv aberta se for possível. pra escapar de tudo que é mais refinado. pra escapar de toda essa bobagem que é rebuscar o óbvio.

e hoje o óbvio é esse. que eu quero ficar contigo, comendo chocolates, o dia todo, a vida inteira, depois de você sorrir atrás da porta.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

sobre a minha parte nisso tudo

é que hoje, envolto nesse caos em que minha cidade se encontra, eu precisava escrever sobre as pequenas coisas que restam. aquilo que enxergo quando cruzo a porta do meu mínimo apartamento, e que penso ao deitar sobre a minha cama. isto aqui é um rabisco qualquer de frustração, ao ver como todos somos abaixo do medíocre. em sonhos e gestos.

é sobre a minha incapacidade de enfrentamento. sobre o prazer que tenho em não esvaziar a lixeira, mesmo passando por ela mais de dez vezes ao dia. e isso não é particular. é uma fuga geral, de presente e passado.

a minha contribuição para tudo isso é essa de não tirar os cigarros do cinzeiro, ou acumular louças para lavar. dentro desse meu mundo de trinta metros quadrados, não há enchente, nem deslizamento de terra, mas há uma vida sendo tratada com muito pouca responsabilidade.

e assim eu vou administrando aquilo que está ao meu alcance. fugindo. o tempo todo.


sábado, 27 de março de 2010

prisão particular construída

o tempo passa e vamos criando certos receios infantis. eu antes chamava qualquer um com quem tinha trocado dez palavras de amigo. e se, por acaso, ele transformasse, eu logo chamava de inimigo e praguejava. dizia cem vezes "eu te amo" ao mês, e na mesma proporção eu odiava. era sistemático. eu não tinha medo das palavras, não julgava cada frase e gesto. e se não julgava os meus, muito menos fazia com os dos outros. inimigos ou amigos.

viver assim é ser livre. é ser livre.

mas é escorregando na liberdade que eu começo a me privar. talvez os jurados da minha vida tenham escorregado antes de mim e, por isso, me sentenciam. não foram livres, ou foram por pouco tempo. tiveram poucos "eu te amo", poucos amigos de dez minutos, poucas intolerâncias. e por isso são pobres. constroem o amor devagarinho, as amizades como castelos de cartas.

eu não. eu não era assim, quando livre. eu chorava e sorria ao mesmo tempo, depois gritava ajoelhado bonitas canções, e se ninguém olhasse pra mim, eu gritava ainda mais alto, até começar a xingar.

se ninguém entende, se ninguém se liberta dessa babaquice toda, sou eu mesmo que estou errado.

nada de "eu te amo" mais. nada de fazer amigos, me basto com os que tenho. me basto com os grandes amores que vivi. não grito mais, nem ajoelho, nem xingo. vou fazendo tudo bem devagar como o mundo quer, e já morro de medo de perguntar "como você vai?", porque daí pra frente vai ser tudo muito lento.

como todos vocês querem, amigos e amores em potencial. preso.

quarta-feira, 10 de março de 2010

branco

se é para escrever feliz, sinto que ainda sou patético. talvez por ser tão nova sensação, ou por ser realmente intraduzível.

prefiro acreditar na minha incompetência. e na felicidade.

domingo, 7 de março de 2010

feliz ano novo

o ano começando e eu carrego responsabilidades das quais sempre fugi. meu ano novo chegou com certo atraso, mas me prova que 2009 inteiro foi um grande reveillon, com fogos, confusões e champagne.

foi o ano da transição, em que me reservei o direito de errar quantas vezes fosse preciso até descobrir o que é certo. foi um tempo de esticar os elásticos, blefar até que ninguém ousasse pagar para ver. foi ano de metáforas e mais metáforas. das mais pobres às quase incompreensíveis. foi uma fase de reconhecimento, de entender que fazemos escolhas quando não imaginamos, e que quando estamos certo de que aquele é o momento, provavelmente ele não passa de um qualquer.

agora é hora de saber quais frases me fizeram este que sou hoje. consciente, completo e feliz.

segunda-feira, 1 de março de 2010

sobre as mortes

morremos algumas vezes por dia. eu acho que morri mais nos últimos. mas não faço parte da maioria que liga a morte a sentimentos ruins, a sensações desesperadoras. se morro, renasço. se permaneço vivo, sobrevivo aos traumas e eles sobrevivem em mim. prefiro-me morrendo, quantas vezes necessárias.

sobrevivi aos inimigos próximos, aos inimigos particulares que dormem em casa. sobrevivi às palavras de dor, às de falso perdão. sobrevivi às músicas ensurdecedoramente tristes, às alegre em meio a lágrimas. sobrevivi à minha vida, e às várias tentativas de suicídio.

sobrevivia pelo medo da morte. que é mais bela quando se morre ao acaso, como morri.

e renasci, assim, súbito, naquele olhar de parto que você me fixou até me ver nascer sorrindo.

novamente.

Pausa

Eu vou fazer uma pausa rápida com a série porque tive dificuldade para escrever sobre a próxima personagem. Beijos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

#6 - A amiga da esposa

Apesar da mulher ter aberto mão da maioria de suas amigas, uma ainda frequentava sua casa. Uma ainda lhe ajudava a escolher vestidos, ouvia suas confidências, lia seus rascunhos e invejava seu marido. Já no fim do casamento, a amiga posicionou-se claramente quanto a isso. Deixou cartas sobre a cama do casal endereçadas a ele; tentou marcar encontros regados a vinho e música durante as madrugadas; com a desculpa de consolar a esposa, dormia na casa dos dois e incessantemente atormentava o escritor, que nunca cedeu.

Numa ocasião, a moça despiu-se e deitou no lado da cama que cabia à esposa. Foi a última vez que pisou o chão daquela casa. Nosso protagonista, irritado, gritou pela mulher, que perdeu junto com o marido, a única pessoa que achava poder considerar.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

#5 - A mulher

Todos os dias disposta a tê-lo sorrindo, ela pautava sua vida a partir das escolhas dele. Escritora talentosa, deixou a carreira literária de lado ofuscada pelo sucesso do marido. Embora não expusesse isso, carregava frustrações latentes por ter abdicado das ambições profissionais. Acompanhando o escritor por todas as suas viagens, a mulher conhecia mais a vida do escritor que ele próprio, decorava os nomes dos amigos e dos não-amigos, das esposas dos amigos, das amantes, dos fãs importantes. Ela era esposa, mãe, secretária, acompanhante e conselheira. Ela era ele, até o dia em que ele não quis mais assim.

Sua vida desmoronou naquele dia, havia um hiato de mais de dez anos. Ela se deu conta de que conhecia todas as pessoas que conviviam com seu marido, mas que em todo esse tempo, não havia convivido com ninguém, não criara laços, nós ou que fosse. Tinha parado de escrever, de ir ao cinema, de sonhar, de ser chamada pelo nome.

Teve de renascer aquele dia, num parto solitário e dolorido, que durou por muito tempo, porque ele nunca cortou definitivamente seu novo cordão umbilical.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

#4

Nosso protagonista, nesse momento da vida, começa a conviver com dúvidas antes inimagináveis. Ele estaria no lugar certo? Era mais feliz agora que antes? Teria valido à pena a mudança de rumo? Ele continuava a ver beleza na menina do interior, nesse ponto nada havia mudado. Só que de uma hora para outra, as suas certezas tornaram-se escassas, seus desejos efêmeros, e ele iniciou toda história que eu pretendo contar aqui.

Sem saber, ele passou a conhecer e conquistar mulheres, seguidamente, compulsivamente, e não conseguia abandoná-las. A primeira a passar por isso foi a esposa, a segunda, a moça linda do interior. Depois dela vieram a terceira, a quarta, a quinta...

No próximo texto, começarei a dissertar sobre cada uma das mulheres, e sobre o que o homem viveu com elas. Por enquanto é só.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

#3

Ele, que nunca havia traído, teve certeza de que era hora. Depois recuou. A moça de interior sabia que ele era comprometido e ele queria o respeito dela. Passaram-se alguns dias, foi para casa, e divorciou-se. O escritor, dono da razão do amor, responsável pelas palavras que tinham poder, fiel à sua doutrina de apenas conquistar mulheres, apaixonou-se. O homem desconstruiu sua vida, transgrediu as regras, mergulhou na vontade.

Por meses ele conseguiu viver o sonho, trouxe a moça à capital, levou-a ao teatro, ensinou-lhe cinema, música, até literatura. Discutiu os próprios textos, recitou poemas, e ela decorava cada palavra que saía de sua boca. Ela amava cada vírgula que ele proferia, morava em suas palavras e chorava com os diálogos que construíam.

O homem, que não era besta, enxergava seu poder. Na verdade, esse cara sabia exatamente o que as mulheres queriam ouvir. Cada uma delas.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

#2

Uma mulher cruzou seu caminho, aparentemente sem nenhuma relevância. Ele, que nutria uma vontade exagerada de conquistar todas as moças, não se opôs à ideia de tê-la.

Começou pelo ego, como sempre. Só que aquele rosto doce realmente havia lhe encantado. Ele não sabia dizer ao certo por que, mas os cabelos longos, a palavra baixa, a transparência de sentidos e de sentimentos, tudo isso misturado, tinha mexido com sua cabeça. E tinha o sotaque também, interiorano, que ele não conhecia. Eles conversavam muito, e os olhos da menina brilhavam com as dissertações do escritor sobre o amor. Ela delirava ao ouvi-lo contar suas histórias, imaginando os lugares que ele tinha conhecido, as línguas que ele falava. E ele, delirava também, ao enxergar na moça aquilo que não mais via em outras: uma paisagem a ser pintada.

Foi nesse dia que o homem resolveu retomar a vida. Viver de novo. Dar novas cores ao quadro, que parecia finalizado, da sua vida.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

#1

Ele cresceu como qualquer homem. Errando, errando... e foi construindo a vida baseada nos erros que não voltaria a cometer. Até aí nada muito diferente dos amigos que o cercavam. Ele namorou mulheres bonitas, que se vestiam bem, que tinham bom gosto. Visitou lugares exóticos, morou na Europa, voltou, foi novamente a passeio, na companhia da mulher que elegera para ser a oficial. O homem - que não tem nome - sempre foi feliz no relacionamento. Um tipo de felicidade que ele não expandia à sua carreira profissional. Incomodava-se com tudo que era ligado a trabalho, prazos, compromisso, salário... Decidiu, portanto, viver de literatura e do dinheiro que porventura ganhasse com suas letras.

O escritor sabia que seus melhores textos eram sobre o amor e os pequenos traumas pelos quais passava, vez ou outra. Ele fazia sucesso entre as mulheres, e orgulhava-se disso em cada gesto que escolhia fazer, em cada palavra que decidia escrever, em cada roupa que resolvia vestir. Entretanto, isso sempre foi apenas uma forma de se sentir melhor e de escrever melhor. Até que um dia, foi posto de frente com um problema pelo qual nunca passara. Desde esse dia, sua vida estagnou.

sábado, 30 de janeiro de 2010

iludindo

eu estou leve. sorrindo por causa das mentiras que eu invento para mim. a monografia entregue, o blog sendo lido por milhares de pessoas, o livro publicado, o amor do meu momento ao lado na cama, a voz dela no outro lado da linha a ouvir as novidades... eu saio da gávea, ela me espera num bar qualquer da zona sul, faz sol, eu acendo um cigarro, tiro os óculos e sento para tomar umas cervejas. a gente conversa sobre a semana, abre o jornal e decide a qual filme vai assistir. depois voltamos para casa, ou paramos novamente noutro bar, jantamos, amamos, e pronto. no dia seguinte eu vou trabalhar, ela também, e depois saímos para ouvir música em qualquer lugar que ainda toque música nessa cidade.

só se é feliz idealizando a felicidade. o resto do tempo a gente desperdiça vivendo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

leblon

o leblon é limpo demais. os rapazes usam claro, as moças colorido, a menina da novela come do seu lado, o mesmo sanduíche que você. gargalha alto, porque no leblon tudo pode quando nada acontece. ele não é falso como canta caetano. falsos somos nós, fantasia de nós mesmos ao ver a atriz tomando sorvete.

leblon é desfile, piso branco, é primavera. o bairro é virgem, sóbrio, dorme e acorda cedo. é um bairro que vai à escola, leva merendeira e não sua no pátio.

eu, que sou copacabana, nem me importo, vou lá, fantasiado, e depois volto para vestir preto e jantar em casa.

a dois

não havia um sorriso que ele não tivesse tentado, nenhuma palavra que ele não tivesse dito. ele tentou músicas, fotografias, fotografias que movimentam-se, tintas na parede, gritos, dizia que amava, mandava tomar no cu. ela se aproximava, parecia arriscar, mas recuava novamente. ela se perdia na quantidade de ações e posições que ele assumia, mas quando choravam juntos era catarse. quando trepavam também. só que havia vezes em que um trepava sozinho, enquanto o outro chorava. depois invertiam.

quando ela se acostumava com o sorriso de lado, ele mudava, prevendo errado. quando mudava o tom, ela já conseguia ouví-lo, e ensurdecia. quando passara a apreciar as paredes, chegava à casa e elas haviam mudado de cor.

e eles viveram assim por muito tempo. até o dia em que morreram.

tentando chorar e trepar em uníssono.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

título

minha paciência acabou. não restou nada, nem para escrever a próxima linha.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ao lado

eu te olho assim, de longe ou de perto, com as maçãs do rosto inchadas, vermelhas, de choro ou de riso. com essa pele infantilmente macia, que não carece de carinho. com esses olhos que piscam em câmara lenta, e refletem o mundo mais colorido. com essas mãos pequenas, quase sem unhas, que nunca pensaram arranhar ninguém.

eu vejo você, assim, a esperar por algo que lhe manche. por palavras boas ou más, ditas de forma precisa ou imprecisa. esperando pela resposta da pergunta que você nunca me fez. pelos conselhos de caminhos a seguir. pelos mapas, trilhos, e atalhos.

eu te vejo ver. te vejo ver o mundo através das tuas retinas de filtro, que tanto sonho em transplantar para mim. eu te enxergo, bela, a se perder no campo da vida. e a se encontrar repentinamente, quando chocada com ela à sua frente.

eu acompanho, próximo, o seu caminhar. o seu recolher de flores e o seu quebrar de espinhos. sinto contigo o cheiro das flores que você escolheu cheirar, a dor nos pés pelo calçado que você decidiu calçar, e as alegrias que você elegeu para lhe fazerem sorrir.

ainda assim, eu permaneço invisível para não te atrapalhar. receoso por querer, às vezes, modificar teu rumo tão singelo. eu jamais poderia intervir. não eu, que te persigo para aprender contigo cada detalhe de como é viver.

livre.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

eu não

eu não gosto de piercing, tatuagem, alargador. não tenho paciência pra halteres, micareta, cordão, terra batida. odeio rave, bala, doce, eletrônico, horas passando e luzes piscando. enjoo com santo, benção, reza, deus. me irrito assistindo ao fantástico, lendo a veja, saindo pra almoçar no domingo, levando o cachorro pra passear. detesto maconha, maconheiros, reggae, dread, artesanato, pulseiras pra usar no pulso do pé e pra usar no pulso do braço. desconsidero paulo coelho, crepúsculo, cury e surfistinha. cuspo na madonna, no cadáver do michael jackson, no novo de sobrenome timberlake, na nova spears. sonho calar a ana carolina, o jorge vercilo, a roberta sá, e todas as mulheres que cantam iguais umas às outras. xingo o lula, o serra, a marina e a oposição de cada um que é o outro. não quero ver as atualizações do orkut, ser popular no twitter, ter dez mil no facebook. não quero dar dez num dia, bater recorde, punheta, ou panela. não quero que briguem comigo por causa disso ou daquilo. não quero brigar, não quero discutir, não quero argumentar. não sei, não posso, não devo, não faço.

eu gosto do que é limpo, do rock, do anticristo, do cinema, urbano, de literatura, de mais rock, de menos monopolítica, de saber do importante, de ser amigos dos bons, de dar uma boa. de ser, viver, viver, até morrer.

eu quero só você, aqui, comigo, vendo filme enquanto o mundo cai sobre e abaixo de nós. porque ele já acabou mesmo e nós sobramos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

nos nossos lugares

olha dessa janela aqui, fica tudo bem mais claro.

é desgastante quando repetimos durante dias conversas tão óbvias. enquanto isso a vida segue e vai carregando quem fala e quem ouve, quem xinga e quem pede perdão. e as personagens se invertem, porque quando a vida segue, ela troca protagonista por antagonista, certo por errado. a conversa continua a mesma, mas espelhada. é tempo de empatia. de ceder seus trajes, gestos e palavras ao outro. é tempo de enxergar as manchas do discurso alheio que já foi seu, de falar no tom que te irritou, atender ao telefonema que você mesmo discou e encarar como falsas as lágrimas que seus olhos já produziram.

assim nós continuamos brincando de não ver a verdade, defendendo indiscriminadamente o que julgamos justo pelo "x" que ocupamos. quando, na verdade, somos dois.

cegos de tanto ver.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

exercício de descrição #1

república do peru, esquina com nossa senhora de copacabana. galeto. é o dono do restaurante, um frequentador assíduo ou alguém de quem eles cuidam. ele amedronta. seus poucos cabelos brancos contrastam com sua sobrancelha preta. preta mesmo, muito preta. e o cabelo é branco, branco mesmo. ele contrai a face, mastiga um palito de dentes, cospe e pega outro. fala qualquer coisa com um dos garçons em espanhol - donos de restaurantes costumam ser espanhóis em copacabana - e fecha os olhos. logo desperta e gesticula muito com os braços enquanto resmunga. levanta da cadeira vermelha de plástico, entra no restaurante e volta minutos depois, para a mesma posição, mastigando o mesmo palito, ou outro, não sei. não faço ideia se o bar é dele, mas cobra seis reais numa garrafa de cerveja quente. talvez daí o mau humor, daí a face contraída e os poucos cabelos. ele abre os botões da camisa, estica as pernas -não há mesa à sua frente -, e dorme enquanto almoço. definitivamente não volto ali. jamais. foi uma sensação de depressão adquirida. roubei o passado, as frustrações, os revides, as porradas que aquele homem levou da vida, e sequer sei o seu nome. engoli a comida rapidamente e voltei para casa pensando...

ele, se for o dono, espanta os próprios fregueses. se for um frequentador, não vale tanto à pena. e se for alguém de quem eles cuidam, precisa de mais cuidado.

da antologia: gente estranha que mal me acompanha

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

feriado, prolongue-se

janeiro promete ser um bom mês. festas, férias, é fim de ano pra quem estuda na minha universidade. janeiro vem como prelúdio de um ano bom. é o meu ano dos consertos, de recolocar a vida no eixo para poder aproveitá-la. o feriado foi ótimo, consegui reunir as pessoas que mais tenho gostado nos últimos tempos e até incluir outras nesse grupo que eu teimo em não deixar crescer. se o reveillon for a ilustração do ano, ele tende a ser são. como já foram tantos outros. com tantos outros. de tantos outros.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

meu reveillon ainda não chegou. dia 5 é sempre aniversário da vó, mas meu reveillon ainda não chegou. depois escrevo mais, quando 2009 acabar estarei aqui de volta.

beijos do P.